domingo, 8 de outubro de 2017

O BRASIL É UM ESTADO LAICO?

O BRASIL É UM ESTADO LAICO?

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Brasil desde 1891 com o advento da República e conseqüentemente a  Constituição Republicana, deixou de ser um Estado Confessional. Antes e por quase quatro séculos oficialmente a Igreja Católica Romana era ligada em todos os sentidos ao Estado.  A isso era chamado o Estão brasileiro de Estado Confessional.
Com o advento da republica deixou de ser confessional passando a ser um Estado laico. Sendo assim, os poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário, em todos os seus níveis, estão constitucionalmente, proibidos de professar, influenciar, ser influenciado, favorecer, prejudicar, financiar, qualquer vertente religiosa, sendo este, entre outros, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. A base para isso no regime jurídico atual está estão nos artigos 5o, Inciso: VI, e, 19, inciso I, da Carta Magna de 1988.

Desta forma, independente da quantidade de fiéis, tempo de existência, ou do patrimônio que uma religião possua todas as manifestações de religiosidade ou credos, seja evangélico, católico, espírita, judaico, oriental, muçulmano etc, bem como, os ateus, humanistas e agnósticos etc, nas questões de fé gozam de igual proteção do Estado Laico.
1.1 O Conceito de Laicismo e Laico
A palavra e o conceito surgiram semanticamente[1] oficializados pela primeira vez na França com a expressão: laïcité - pronuncia-se [la.isite], em nosso vernáculo Laicismo.
Antes do conceito francês ou latino, os gregos já usavam, mas com um significado denotativo para se referir ao povo, ou, pessoas da peble comum. Etimologicamente, laïcité no latim, é um substantivo formado pela adição do sufixo -ite (português: dade, latim itas) ao adjetivo em latim lāicus, que originalmente pela junção vocabular grega da palavra λᾱϊκός (Laikos "do povo", "leigo") e do adjetivo também grego  λᾱός (laos "povo"), semanticamente se consolidou o sentido não somente denotativo da palavra como também conotativo para se referir àqueles que não seriam ligados a serviços religiosos[2].
            A palavra que em certa medida seria a forma de classe gramatical adjetivada, passou a significar “uma atitude crítica e separadora da interferência da religião organizada na vida pública das sociedades contemporâneas”.
  Laicismo ou laico[3], portanto é um conceito que denota a ausência de envolvimento religioso em assuntos governamentais, bem como ausência de envolvimento do governo nos assuntos religiosos, ou dos assuntos religiosos nos negócios da Igreja[4]. 
A construção moderna deste conceito embora vindo da revolução francesa a qual pregava o secularismo[5] de governo, vinha de uma longa história, mas apareceu na legislação francesa de 1905 sobre a separação das Igrejas e do Estado.
[...] em termos gerais, a tese da secularização mantém-se, de fato, firme. Alguns regimes políticos estão abertamente associados a ideologias secularistas e anti-religiosas, enquanto outros estão oficialmente desvinculados da religião, praticando o secularismo mais por defeito do que por afirmação ativa. No entanto, poucos são os Estados formalmente ligados à religião e, se o estão, trata-se de uma ligação frágil que é levada muito a sério. A observância e a prática religiosa são reduzidas e os seus eventuais níveis elevados ficam a dever-se, com freqüência, ao cariz eminentemente social e não transcendente dos conteúdos religiosos. A doutrina formal é, por isso, ignorada, sendo a participação encarada como uma celebração da comunidade e não como convicção. Os assuntos religiosos raramente merecem destaque (GELLNER, 1994, p. 16).
Durante o século XX, o conceito evoluiu para significar igualdade de tratamento entre todas as religiões, embora uma interpretação mais restritiva do termo tem sido desenvolvida desde 2004.
Vale aqui as interpretações de Bobbio quando separa a significação dos termos laicismo de laicidade. O primeiro para se referir a um sistema político e o segundo para se referir sempre ao sentido de leigo ou povo.
Na sua aceitação estrita e oficial, é o princípio da separação entre a religião e o Estado.[6] 
Politicamente podem-se dividir os países em duas categorias, primeiro os laicos e segundo os não laicos. Os primeiros politicamente laicos a religião não interfere diretamente na política, como é o caso dos países ocidentais em geral. Os segundos, Países não-laicos são interferem e ditam as leis civis. Neste sentido são considerados como Países teocráticos e a religião tem papel ativo na política e até mesmo constituição, como é o caso do Irã, Arábia Saudita e do Vaticano, entre outros.
Bobbio, (2004), dedica pelo menos 20 paginas de seu Dicionário de política com esta temática. Num primeiro momento define a concepção moderna de Estado Leigo nestes termos:
A teoria do Estado leigo fundamenta-se numa concepção secular e não sagrada do poder político, encarado como atividade autônoma no que diz respeito às confissões religiosas. Estas confissões, todavia, colocadas no mesmo plano e com igual liberdade, podem exercer influência política, na proporção direta de seu peso social. O Estado leigo, quando corretamente percebido, não professa, pois, uma ideologia "laicista", se com isto entendemos uma ideologia irreligiosa ou anti-religiosa. (BOBBIO: 2004, p.670).

Bobbio compreende a construção do conceito de forma histórica passando pelos conceitos de clericalismo ou confessionalismo como também de  cesarpapismo. Para ele estes conceitos antagônicos ao laicismo historicamente foram consolidados em todo período da Idade Média como extensivos ao poder Papal casado com o poder dos imperadores.

Assim como, historicamente, o termo leigo tem a significação de não-clérigo, Laicismo significa o contrário de CLERICALISMO (V.) e, mais amplamente, de CONFESSIONALISMO (V.). Uma vez, porém, que o anticlericalismo não coincide necessariamente com a irreligiosidade, assim, também, o termo leigo não é sinônimo de incrédulo; da mesma forma, não podem ser definidas, propriamente, como leigas as correntes de radicalismo irreligioso que conduzem ao ateísmo de Estado. A relação entre temporal e espiritual, entre norma e fé, não é relação de contraposição, e sim deautonomia recíproca entre dois momentos distintos do pensamento e dá atividade humana. Igualmente, a separação entre Estado e Igreja não implica, necessariamente, um confronto entre os dois poderes. Na medida em que garante, a todas as confissões, liberdade de religião e de culto, sem implantar em relação às mesmas nem estruturas de privilégios nem estruturas de controle, o Estado leigo não apenas salvaguarda a autonomia do poder civil de toda forma de controle exercido pelo poder religioso, mas, ao mesmo tempo, defende a autonomia das Igrejas em suas relações com o poder temporal, que não tem o direito de impor aos cidadãos profissão alguma de ortodoxia confessional. A reivindicação da laicidade do Estado não interessa, apenas, às correntes laicistas, mas, também, às confissões religiosas minoritárias que encontram, no Estado leigo, as garantias para o exercício da liberdade religiosa. (IBID: p.670).
Daí se tem em Bobbio que Estado laico significa um país ou nação com uma posição neutra no campo religioso.
Também conhecido como Estado secular, o Estado laico tem como princípio a imparcialidade em assuntos religiosos, não apoiando ou discriminando nenhuma religião.
O Laicismo rejeita os sistemas onde o Estado subjuga a Igreja ou a reduz a religião e privilegia seus fiéis em um ramo de sua própria estrutura administrativa. Enfim, visto que não defende somente a separação política e jurídica entre Estado e Igreja, mas também os direitos individuais de liberdade em relação a ambos, o Laicismo se revela incompatível com todo e qualquer regime que pretenda impor aos cidadãos, não apenas uma religião de Estado, mas também uma irreligião de Estado. (BOBBIO: 2004, pp.670, 671).
Mas isso não significa que o Estado não garanta a liberdade religiosa de seus cidadãos. Ao contrario o Estado embora sendo laico ele não somente garante a liberdade religiosa como também protege o direito religioso[1] desde que esses não firam princípios que ele mesmo assegura. Ademais, Um Estado laico defende a liberdade religiosa a todos os seus cidadãos e não permite através de suas leis a interferência de correntes religiosas em matérias sociopolíticas e culturais.
Nos países que não são laicos (teocráticos), a religião exerce o seu controle não apenas social mas político na definição das ações institucionais, na legislação civil e penal bem como nas ações de caráter governativo. Nos países teocráticos, o sistema de governo está sujeito a uma religião oficial. Alguns exemplos de nações teocráticas são: Vaticano (Igreja Católica), Irã (República Islâmica) e Israel (Estado Judeu).
Em 2004, Bobbio deu uma interpretação renovada e mais restritiva do termo a qual  tem sido desenvolvida no seu dicionário político e traduzida ordinariamente como  como  laicidade sendo portanto segundo ele, “um sistema político, diferenciando significando que laicismo é o mesmo que secularidade num sentido mais restrito.
Ainda mais abrangente é a definição do Laicismo formulada por Nicola Abbagnano, que interpreta o Laicismo como sendo autonomia recíproca, não apenas entre o pensamento político e o pensamento religioso, mas entre todas as atividades humanas. As diferentes atividades não devem ser subordinadas umas às outras num relacionamento de dependência hierárquica, nem podem ser submetidas a finalidades ou interesses que não lhes são inerentes. As atividades humanas devem se desenvolver de acordo com suas próprias finalidades e regras internas. Na acepção de Abbagnano, o Laicismo corresponde, nas relações existentes entre as atividades humanas, à liberdade que deve existir nas relações entre os indivíduos. (BOBBIO: 2004 p.672).
            Assim, depois de definir o termo, faz-se necessário discorrer sobre a fundamentação teórica dele.



1.2 Fundamentação teórica

Na fundamentação teórica sobre o Estado laico de Bobbio, (2004), é bem parecida dos clássicos do século XVIII. Ele trabalha com a perspectiva das “duas espadas”[2].
Encontramos já no cristianismo dos primeiros séculos a distinção ntre autoridade espiritual e poder tem poral, isto em contraposição à unificação pagã das funções sacerdotais na pessoa do magistrado civil. A inviolabilidade recíproca das duas jurisdições, decorrente de assertivas encontradas nos textos sagrados, é reconhecida, como válida, na Patrística e plasticamente manifestada, no findar do século V, pelo pontífice Gelásio I, através da imagem das "duas espadas" que uma só mão não pode empunhar. Apresentada, nas suas origens, com a finalidade de subtrair os eclesiásticos à jurisdição dos tribunais civis, a teoria das "duas espadas" constituiuse o ponto de referência em todas as controvérsias medievais entre o papado e o império (séculos XI e XII) e entre o papado e o reino de França (final do século XIII e início do século XIV). A distinção que se fazia entre as duas autoridades era bem diferente da moderna concepção de Igreja e Estado. O pensamento medieval considerava ambas aspectos diversos de uma sociedade cristã universal, súdita, ao mesmo tempo, de duas autoridades que dependiam diretamente de Deus. (IBID: p.673).

Esta corrente surge a partir dos abusos que foram cometidos pela intromissão de correntes religiosas na política das nações e nas Universidades pós-medievais.
A concepção de laicidade sofreu forte oposição das elites ou da burguesia principalmente na Itália e na Espanha. No entanto essas oposições sem fundamento racional ou crítico fez a teoria laicista tornar-se realidade e adquiri mais força nos países de maioria católica.
Do lado oposto, a cultura leiga contemporânea contrapõe aos dogmatismos a liberdade de religião e a liberdade de crítica às religiões, visto que as heresias de hoje podem se tornar as ortodoxias de amanhã. Pressupõe-se, pois, que nenhuma certeza é indiscutível e que as únicas certezas racionais são as que surgem como produto da própria discussão. A definição sintética desta acepção do Laicismo foi formulada por Guido Calogero, para quem o Laicismo não é uma particular filosofia ou ideologia política, mas método de convivência de todas as filosofias e ideologias possíveis. O princípio leigo consistiria, assim, nesta regra básica: "não ter a pretensão de possuir a verdade mais do que qualquer outro possa ter a pretensão de possuí-la". (BOBBIO: 2004, p. 672).
Mais tarde, MAX Weber discutindo teoricamente o tema afirma aifrma que a oposição ao laicismo seria uma forma de tornar Deus enclausurado à Igreja e aos palácios, tornando assim o referencial de Deus como tipo ideal para manter a peble debaixo dos interesses da manutenção do poder. Daí porque os racionalistas do século XVII e XIX trabalharam ansiosos para deixar de lado a forte influência religiosa percebida em toda idade média, buscando cada vez mais o fortalecimento de um Estado laico.
O sistema laicista está imbuído de muitos valores. Os valores primaciais do dele[3] são: a liberdade de consciência, a liberdade de expressão, a liberdade de credo e a igualdade entre os cidadãos em matéria religiosa e de opinião. Daí se tem estes princípios como direitos inalienáveis do ser humano os quais são democraticamente estabelecidos nas leis do Estado[4].
Buscando construir racionalmente o conceito, deve-se levar em conta o secularismo o qual está em conexão com o laicismo. Em certo sentido, o secularismo pode afirmar o direito de ser livre do jugo e ensinamento religioso, bem como o direito à liberdade da imposição governamental de uma religião sobre o povo dentro de um Estado que é neutro em matéria de crença. Em outro sentido, refere-se à visão de que as atividades humanas e as decisões, especialmente as políticas, deve ser imparciais em relação à influência religiosa.
Na sociedade de hoje, o sentido de Laicismo aproxima-se, sob múltiplos aspectos, ao processo de secularização (V.), se tomarmos este termo não na sua significação originária, específica do direito canônico (onde o termo secularização difere do termo laicização por significar a volta ao mundo secular, sem uma renúncia total ao estado religioso), mas na significação derivada que se espalhou pela Europa, ao redor de 1880, e que já havia aparecido, algumas décadas antes, nos escritos de Victor Cousin, em expressões tais como "sécularisation de l'État" e "enseignement séculier de la philosophie". Na literatura sociológica, o termo "secularização" é usado normalmente para caracterizar o processo de transição das sociedades patriarcais, rurais e "fechadas", para a sociedade industrializada, urbana e profana, onde assistimos a uma redução constante do peso social da religião organizada, que está perdendo, cada vez mais, a função de controle social. A progressiva "dessacralização" da sociedade moderna descrita por Max Weber (Economia e Società, ed. it., 1961) traz a solução automática a alguns aspectos históricos do Laicismo; porém, ao mesmo tempo, justamente nas sociedades mais secularizadas, como se fosse para compensar os valores sociais perdidos, surgem ideologias totalitárias que se caracterizam como novos atentados à concepção propriamente leiga da política e da cultura. (BOBBIO: 2004, p.673).

O secularismo o qual é próximo da concepção moderna de Estado laico desenha suas raízes intelectuais em filósofos gregos e romanos, como Marco Aurélio e Epicuro. Também como os muçulmanos, como Averróis, iluministas como Denis Diderot, Voltairie, Espinosa, Rousseau, John Locke etc.
Os propósitos e argumentos em apoio ao secularismo variam amplamente. No laicismo europeu, tem-se argumentado que o secularismo é um movimento em direção a modernização, longe de valores religiosos tradicionais (também conhecido como secularização). Este tipo de secularismo, a nível social ou filosófico, tem freqüentemente ocorrido, mantendo uma Igreja oficial do Estado ou apoiando oficialmente uma religião. Nos Estados Unidos, alguns argumentam que o Estado secular tem servido, em uma maior medida, para proteger a religião da interferência governamental, enquanto o secularismo em um nível social é menos prevalente. Dentro dos países, bem como diferentes movimentos políticos, apoiam o secularismo por razões variadas.[5]
            Em conclusão, o Estado Laico tem que se assumir neutro ou eqüidistante das diversas opções social e cultural dos indivíduos no tocante à religião a qual revela crença ou convicção.

[...].....

















[1] Direito religioso aqui não se refere ao Direito Canônico, conhecido também como direito ou leis da Igreja Católica Apostólica Romana.
[2] A teoria das duas espadas surgiu na Idade Médiacom ..
[3] O aparato crítico foi extraído do site:  em 18/12/2013 e  pode ser consultado via Bobio em: AUT. VÁR., La laicité, P. U. F., Paris1960; G. CALOGERO. Filosofia del dialogo, Edizioni di Comunità, Milano 1962; A. C. JEMOLO. Chiesa e Stato in Italia dall'unificazione a Giovanni XXIII, Einaudi,Torino 1965; H. LUBBE, La secolarizzazione (1965). Ver também: http://www.laicidade.org/topicos/archives/.
[4] No último capítulo discorreremos sobre estas temáticas.



[1] A semântica linguística é definida como a ciência que estuda as diversas relações palavras com os objectos por elas designados, isto é, que se ocupa de averiguar de que modo e segundo que leis as palavras se aplicam aos objectos. A semântica linguística é uma ciência empírica; a indução é o método por ela usado para a formulação das suas leis.
[2] Vale lembrar que a nossa língua portuguesa é originaria do latim o qual também é originário pelo menos cinqüenta por cento da língua grega.
[3] A conceituação dos termos foi pesquisada pelo site: http://pt.wikipedia.org/wiki/laicismo
[4] Quando se fala de Igreja não se refere somente à Igreja Católica Romana, mas todos os ramos do cristianismo.
[5] O secularismo se refere a tudo que não é religioso. Tudo aquilo se se sujeita a leis civis sem a intromissão de quaisquer religiões.
[6] Ibid,  site: http://pt.wikipedia.org/wiki/laicismo

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