sábado, 6 de março de 2010

O ENSINO RELIGIOSO PÚBLCO

O ensino religioso nas escolas públicas sempre foi um tema que suscitou grandes debates e discussões.
Ao longo da história brasileira a referida disciplina apresentou um caráter confessional-cristão, estando estreitamente vinculada aos interesses do grupo religioso hegemônico. Entretanto, com a Lei Federal 9.475/97 o ensino religioso recebe uma nova configuração que busca afastar-se de toda forma de confessionalismo e proselitismo religioso. Mas até que ponto o ensino religioso se afasta do confessionalismo ou do proseletismo?
Por outro lado, os defensores ou o próprio Estado têm justificado o ensino religioso e seu apoio a ele, em especial após a mudança do governo em 2003, a partir de um diagnóstico da “disnomia da vida moderna” (Romano,1979, p. 127) que aponta a “ausência de valores” e a “evidente” incompetência da família e da própria Escola brasileira em adequadamente fornecê-los, fenômeno concomitante ao crescente individualismo. Nesta perspectiva, o ensino religioso seria um elemento formador e transformador para os jovens, estimulando a solidariedade entre as pessoas e auxiliando na estruturação de relações mais harmoniosas na sociedade, “construindo cidadania”. Mas até que ponto? Seria mesmo este ensino agregador ou segregador?
Há atualmente inúmeros trabalhos com esta temática, mas poucos são os trabalhos e comentários com uma fundamentação histórica e filosófica contrárias ao ensino religioso.
No período de 1500 a 1800, a ênfase foi a integração da escola, igreja, sociedade política e econômica. O projeto religioso da educação não conflitua com o projeto político dos reis e da aristocracia, pois é a fase da educação sob o motivo religioso. Como a religião católica era oficial, o ensino da doutrina da religião do estado era parte integrante dos programas.
Desenvolveu-se a cristianização por delegação pontifícia, autoridade de Roma, como justificativa do poder estabelecido, em decorrência do regime de padroado que vigorava no Período Colonial e no Império. Nele o Estado detinha o controle da Igreja, assim, o Rei (e depois o Imperador) eram virtualmente o chefe da Igreja no país, assim como os religiosos influíam, também, na política. Em verdade a Igreja Católica avocava para si o poder temporal e o espiritual.
O Ensino Religioso era intrínseco à educação. No período Colonial, o que se desenvolveu como Ensino Religioso foi a religião oficial, como evangelização dos gentios e catequese dos índios e dos negros conforme acordos entre o Sumo Pontífice e o Monarca de Portugal, em função do projeto colonizador.
Com o Marquês de Pombal houve reformas radicais no processo educacional brasileiro. Os Jesuítas forram expulsos do Brasil, e isso refletiu diretamente na educação. Entretanto o ensino religioso continuou por todo período colonial e imperial, e, mesmo no período republicano, embora a Igreja Separada do Estado, o ensino religioso sempre voltou em cena.
Oficialmente, o Ensino Religioso foi poupado desde o advento da República até a era Vargas.
Em 30 de abril de 19314 foi publicado o decreto nº 19.941, que reintroduziu o ensino religioso nas escolas públicas. Dizia o decreto 19.941 de 1931 em seu artigo 1°: “Fica facultativo, nos estabelecimentos de instrução primária, secundária e normal, o ensino da religião.” O decreto determinava nos demais artigos que os pais ou tutores podem requerer no ato da matrícula a dispensa dos alunos e que a organização do conteúdo e escolha dos livros ficaria sob a responsabilidade dos ministros do respectivo culto sendo os professores de ensino religioso designados pelas autoridades do culto a que se referir o ensino ministrado (Cury,1993:27). O ensino religioso reintroduzido nas escolas públicas era confessional.

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil – 1934 em seu Artigo 53 Diz:
O ensino religioso será de freqüência facultativa e ministrada de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais (BRASIL, 1934).

O Ensino Religioso deu uma esfriada após o período Vargas, mas voltou com força de articulação política na Constituição de 1988.
Segundo as sociólogas Maria Amélia Schmidt Dickie e Janayna de Alencar Lui houve desempenho de um forte lobby da Igreja Católica, em especial da liderança aberta ou não da Igreja Católica Apostólica Romana. Esse lobby se fez desde o período da Assembléia Nacional Constituinte, quando entidades como a Associação Interconfessional de Educação de Curitiba (Assintec) do Paraná, o Conselho de Igrejas para Educação Religiosa (Cier) de Santa Catarina, o Instituto de Pastoral de Campo Grande, Mato Grosso (Irpamat) e o Setor de Educação da CNBB, principalmente o Grupo de Reflexão Nacional sobre Ensino Religioso da CNBB (Grere), assumiram as negociações, legitimadas por coordenadores estaduais de ensino religioso dos estados onde ele já era regulamentado. Articulação orquestrada pelo movimento ecumênico da Igreja Católica com outras confissões.
Este lobby conseguiu garantir a presença do ensino religioso na Constituição
de 1988, em seu artigo 210, parágrafo 1o, que diz: “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”. Mas ele se fez mais intenso e mais abrangente durante o período de elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, só promulgada em 1996, a que ficou conhecida como Lei Darcy Ribeiro, e modificada em 1997.
O deputado Sérgio Arouca manifestou-se contra o projeto que resultou na lei 9.475, de 22 de julho de 1997, que alterou a LDB promulgada no ano anterior. O deputado fluminense se opôs à supressão da condição “sem ônus para os cofres públicos”, do artigo sobre o ensino religioso, assim como ao fato de que ele faria “parte integrante da formação básica do cidadão”. Note-se que o deputado Sérgio Arouca também incorporou a idéia de Ruy Barbosa, de o ensino religioso ser oferecido fora dos horários escolares, mas não como parte do currículo das escolas públicas. Além de Arouca, outros três deputados se manifestaram contrários às mudanças propostas: José Genoíno (PT-SP), Salatiel Carvalho (PTB-PE) e Lamartine Posella (PPB-SP). Suas origens ideológicas eram bem diferentes, mas os quatro convergiram na defesa da laicidade do ensino público – Arouca e Genoíno, ex-comunistas; Carvalho e Posella, evangélicos. Todos os demais deputados presentes à sessão aprovaram o projeto de lei, que tramitou em regime de urgência, às vésperas da visita do papa João Paulo II ao Brasil.
Em São Paulo o ensino religioso foi regulamentado e implantado em 2001, através da lei no 10.783/2001.
O processo de implantação culminou com a aprovação, em 27 de julho de 2001,
da deliberação no 16, do Conselho Estadual de Educação, que determinou que compete aos professores graduados em História, Ciências Sociais e Filosofia ministrarem as aulas de ensino religioso. Embora não admitisse em tese Padre e Pastor, naturalmente o que predominou e está predominando é a confissão Católica com raríssimas exceções.

BASES PARA NÃO “ENSINO RELIGIOSO”:
1º O Brasil é um País Laico
Em nosso país, o ensino religioso, legalmente aceito como parte dos currículos das escolas oficiais do ensino fundamental, na medida em que envolve a questão da laicidade do Estado, a secularização da cultura, a realidade socioantropológica dos múltiplos credos e a face existencial de cada indivíduo, tornase uma questão de alta complexidade e de profundo teor polêmico (Cury, 1993). Neste sentido, o ensino religioso torna-se problemático, visto que envolve o necessário distanciamento do Estado laico ante o particularismo próprio dos credos religiosos. As duas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1961 e 1996) foram promulgadas com uma cláusula que proibia o uso de recursos públicos para o ensino religioso nas escolas públicas - um avanço na direção da laicidade do Estado. Mas, essa cláusula foi retirada das duas leis, pelo mesmo Congresso que as promulgara, por causa da pressão da Igreja Católica - outro recuo na laicidade. Deve existir uma divisão muito acentuada entre o Estado e a Igreja (religiões em geral), não podendo existir nenhuma religião oficial, nem Ensino Religioso propocionado pelo Estado, devendo, porém, o Estado prestar proteção e garantia ao livre exercício de todas as religiões.
Por outro lado, a ausência de ensino religioso nas escolas não impede que a cultura religiosa (caridade) entre os alunos, a qual vem da família ou ministrada nos seus espaços próprios, se expanda para um serviço desinteressado, humanamente desinteressado, onde prevaleça o amor ao próximo.
O nosso país, por esta razão, necessita preservar a condição de Estado laico e, para tanto, precisa evitar a indevida intromissão estatal como a de promover o ensino religioso nas escolas; não é preciso dizer que tal preservação não torna o Estado brasileiro ateu.

2º Pluralidade Religiosa Existente em Nossa Sociedade
Vivemos a cultura de uma sociedade judaica-cristã, fruto de uma triste colonização. Em 31 de outubro de 1517 Martin Lutero fixou suas 95 teses na porta do palácio de Wittenberg, e em 22 de abril de 1500, dezessete anos antes, Pedro Alvares Cabral descobriu o Brasil, portanto o tipo de catolicismo ao qual fomos iniciados era de características medievais, ou seja, indulgente, inquisitório e intolerante. O Brasil não pode ser considerado como um país cristão tão somente pela imposição de seus primeiros, ou por seus atuais colonizadores.
Na constituição federal são atribuídos os exercícios sacerdotais à apenas três categorias religiosas: o Padre (sacerdote católico), o Rabino (sacerdote judaico) e o Pastor Protestante (sacerdote de confissão evangélica). Ficam de fora as religiões não cristãs (Islamismo, Budismos etc.); Religiões que estão fora da classificação de católicos e protestantes (Kardecismo, Umbandismo etc.). O ensino religioso nas escolas não é definido, segundo a lei federal, 9394 LDB, se é ou não cristão, e por isso mesmo que se é para ser implantodo conforme a Lei, precisa-se abranger o maior número possível de expressões religiosas em nossa sociedade, para garantir o direito de livre expressão de culto, sob o risco de ignorarmos tais manifestações culturais e tornar-nos este dispositivo de lei como proselitismo e intolerância religiosa, o que contraria o espírito da própria lei. A meu ver seria inviável.
Por outro lado, reduzir o ensino religioso às próprias convicções religiosas, à historicidade cultural ou familiar é crime de discriminação religiosa, e o pior, as nossas crianças são as mais vuneráveis.
Entendo que o Ensino Religioso a médio ou a curto prazo poderá acender atavismos segregadores do ódio entre religiões, que já causou tanto sofrimento à humanidade.
3º O Lugar do Ensino Religioso é na Igreja e no Lar

A expressão religiosa de um povo deve ser produto do ensino das religiões nos templos e na família. A crença religiosa dos cidadãos brasileiros é matéria de foro íntimo, não de foro público. Tal foro parte da liberdade de consciência e da formação recebida na família e consequentemente na Igreja. Isso tem uma conseqüência muito clara e direta para o que se refere ao Estado. Idéia esta defendida pelos pensadores desde o século XIII e pelos reformadores do século XVI.
O ensino religioso na família tem um papel importantíssimo na formação do indivíduo, ou melhor, na formação da pessoa como um todo, pois a família é a célula mater da sociedade. O núcleo familiar é o primeiro grupo social do qual participamos e recebemos, não somente herança genética ou material, mas principalmente moral. Nossa formação de caráter depende, fundamentalmente, do exemplo ou modelo familiar que temos na formação de nossa personalidade.
A Igreja tem o ministério docente de levar o homem a não somente conhecer a Deus, mas o dever conhecer a si mesmo e de amar o próximo. O programa de educação religiosa nas igrejas é necessário para a instrução e o desenvolvimento de seus membros capacitando-os para o serviço cristão e o desempenho de suas tarefas no cumprimento da missão da igreja no mundo.
Conclusão:
A Escola deve ser um ambiente pacífico aonde o respeito às diversidades, a tolerância e o amor ao próximo esteja presente indiferente dos atestados de fé dogmática. Ademais, todo ser humano tem, também, uma grande necessidade de convivência com seus semelhantes, que se dá através da solidariedade, da amizade, dos relacionamentos, da empatia, da alegria, do convívio e da fraternidade.

MAURO FERREIRA